segunda-feira, 15 de abril de 2013

Insustentabilidade dos agrotóxicos


 
O Brasil é o campeão mundial no uso de agrotóxicos no cultivo de alimentos. Cerca de 20% dos pesticidas fabricados no mundo são despejados em nosso país. Um bilhão de litros ao ano: 5,2 litros por brasileiro!

Ao recorde quantitativo soma-se o drama de autorizarmos o uso das substâncias mais perigosas, já proibidas na maior parte do mundo por causarem danos sociais, econômicos e ambientais.

Pesquisas científicas comprovam os impactos dessas substâncias na vida de trabalhadores rurais, consumidores e demais seres vivos, revelando como desencadeiam doenças como câncer, disfunções neurológicas e má formação fetal, entre outras.

Aumenta a incidência de câncer em crianças. Segundo a oncologista Silvia Brandalise, diretora do Centro Infantil Boldrini, em Campinas (SP), os pesticidas alteram o DNA e levam à carcinogênese.

O poder das transnacionais que produzem agrotóxicos (uma dúzia delas controla 90% do que é ofertado no mundo) permite que o setor garanta a autorização desses produtos danosos nos países menos desenvolvidos, mesmo já tendo sido proibidos em seus países de origem.

As pesquisas para a emissão de autorizações analisam somente os efeitos de cada pesticida isoladamente. Não há estudos que verifiquem a combinação desses venenos que se misturam no ambiente e em nossos organismos ao longo dos anos.

É insustentável a afirmação de que a produção de alimentos, baseada no uso de agrotóxicos, é mais barata. Ao contrário, os custos sociais e ambientais são incalculáveis. Somente em tratamentos de saúde há estimativas de que, para cada real gasto com a aquisição de pesticidas, o poder público desembolsa R$ 1,28 para os cuidados médicos necessários. Essa conta todos nós pagamos sem perceber.

O modelo monocultor, baseado em grandes propriedades e na utilização de agroquímicos, não resolveu nem irá resolver a questão da fome mundial (872 milhões de desnutridos, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura %u2014 FAO).

Esse sistema se perpetua com a expansão das fronteiras de cultivo, já que ignora a importância da biodiversidade para o equilíbrio do solo e do clima, fazendo com que as áreas utilizadas se degradem ao longo do tempo. Ele cresce enquanto há novas áreas a serem incorporadas, aumentando a destruição ambiental e o êxodo rural. Em um planeta finito, assolado por desequilíbrios crescentes, a terra fértil e saudável é cada vez mais preciosa para garantir a sobrevivência dos bilhões de seres humanos. Infelizmente não há meio-termo nesse setor. É impossível garantir a qualidade, a segurança e o volume da produção de alimentos dentro desse modelo degradante. Não há como incentivar o uso correto de pesticidas. Isso não é viável em um país tropical como o Brasil, em que o calor faz roupas e equipamentos de segurança, necessários para as aplicações, virarem uma tortura para os trabalhadores.

Há que buscar solução na transição agroecológica, ou seja, na gradual e crescente mudança do sistema atual para um novo modelo baseado no cultivo orgânico, mantendo o equilíbrio do solo e a biodiversidade, e redistribuindo a terra em propriedades menores.

Isso facilita a rotatividade e o consórcio de culturas, o combate natural às pragas e o resgate das relações entre os seres humanos e a natureza, valorizando o clima e as espécies locais.

Existem muitas experiências bem-sucedidas em nosso país e em todo o mundo, que comprovam a viabilidade desse novo modelo. Até em assentamentos da reforma agrária há exemplos de como promover a qualidade de vida, a justiça social e o desenvolvimento sustentável.

Para fomentar esse debate, e exigir medidas concretas por parte do poder público, foi criada, em abril de 2011, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. Dela participam cerca de 50 organizações, como a Via Campesina, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e a Federação dos Trabalhadores do Ramo Químico da CUT no Estado de São Paulo (Fetquim). Confira o site na internet: www.contraosagrotoxicos.org.

A campanha visa à conquista da verdadeira soberania alimentar, para que o Brasil deixe de ser mero exportador de commodities (com geração de grandes lucros para uma minoria e imensos danos à população) para se tornar um território em que a produção de alimentos se faça com dignidade social e de forma saudável.

A outra opção é seguir nos iludindo com os falsos custos dos alimentos, envenenando nossa terra, reduzindo a biodiversidade, promovendo a concentração de renda, a socialização dos prejuízos e a criação de hospitais especializados no tratamento de câncer, como ocorre em Unaí (MG), onde se multiplicam os casos dessa gravíssima doença, devido ao cultivo tóxico de feijão.

Artigo publicado no jornal "Correio Braziliense" nesta sexta-feira (12).
*Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Rede de Educação Cidadã

No primeiro ano do primeiro governo Lula, 2003, foi articulada uma rede de entidades, movimentos e pessoas chamada Rede de Educação Cidadã. A iniciativa surgiu para dar resposta à demanda da participação popular nos rumos do País e enfrentar nosso maior problema social, a desigualdade.

Conhecida como Recid foi criada sob a liderança de Frei Beto a partir do gabinete pessoal da Presidência da República como parte do programa Fome Zero. Sua missão: promover práticas de educação popular, garantindo a democracia direta na gestão do Programa, e contribuir para a retomada de um projeto popular de nação desde a base. Além da “fome de pão”, as atividades de educação cidadã visavam saciar a “fome de beleza”, em outras palavras, de poder.

Muito tempo passou. Dez anos. Hoje a Recid tem outro formato e outro foco. Preserva a missão inicial de fazer “trabalho de base” junto com diversos grupos, que são uma amostra das classes subalternas brasi- leiras. Seu principal desafio continua sendo trabalhar para aumentar o nível de consciência do povo brasileiro, com isso incentivar a participação popular e contribuir para radicalizar a democracia. Contudo, seu vínculo com o Fome Zero e com o Bolsa Família não são mais o único mote da Rede.

A natureza desta articulação é mista, par- te Sociedade Civil, parte do Estado. Se hoje a Rede é constituída por uma gama enorme de atores da sociedade civil o é também por uma equipe do Governo Federal – o Departamento de Educação Popular e Mobilização Cidadã da Secretaria-Geral da Presidência da República – e suportada por um convênio junto à área de Educação em Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Costumamos dizer que a Rede tem um “pé-dentro” e um “pé-fora”.

Os dez anos da Recid coincidem com os dez anos de um Governo Federal originado principalmente da luta contra a ditadura e da efervescência dos anos 1980. Uma das principais lutas que deram origem a este governo é o trabalho de “conscientização” gerado e ge- rador da estratégia democrático popular.

A estratégia de disputa de hegemonia articulando comunicação, educação e cultura em uma ação integrada de construção de novos valores e relações sociais, foi a outra face da crítica ao modelo econômico e político. A construção do poder popular, além de um regime democrático, representa a reconstrução de nossa sociabilidade com base na justiça e na solidariedade.

Mesmo com as melhorias  recentes das condições de vida da população, o Governo Federal ainda tem muito que construir para mudar o Brasil. Se o “fim da miséria é só o começo” a hora é de se intensificar o legado de dez anos de mais participação social, mais diálogo com a sociedade e da construção de um Estado educador e educando, que fomente a organização popular e a participação política, que fortaleça um projeto autônomo de sociedade e um modelo democrático e popular de desenvolvimento.

Neste ano de 2013 começa a II Conferên- cia Nacional de Educação (Conae 2013/2014) e acontece 53º Congresso da UNE. São momentos importantes para debater qual educação queremos, e qual o papel da mesma em um projeto democrático popular. A Recid quer recolocar a educação popular, emancipatória, que fomenta a mobilização popular em torno de um projeto de sociedade, que abre a escola e a universidade para as demandas populares e reconheça que educação é muito mais do que escola novamente como prioridade. Educação que se pratique com a organização popular, com movimentos sociais, sindicais, etc.

Retomando estas ideias a Recid promoverá, em articulação com a Conae, encontros estaduais para debater a proposta de uma Política Nacional de Educação Popular. Serão 27 encontros, um em cada estado brasileiro, oportunidade única de ampliar o debate sobre a educação para diversos seguimentos sociais e fortalecer a construção de um futuro em que o fim da miséria seja realmente só o começo.

É um processo imenso, envolve quase 100 mil participantes em mais de duas mil oficinas de base por ano. Contudo, ainda muito pequeno para o tamanho do nosso País, insuficiente para alterar a correlação de forças e aquém dos nossos sonhos.

O grande desafio desta rede continua sendo o de tornar-se um espaço de referência para reconstrução dos referenciais políticos da esquerda pela base e fortalecer um projeto democrático popular de governo e de país. Algo que se torna cada dia mais necessário para que possamos avançar e poder dizer com firmeza que o fim da miséria é realmen- te só o começo.

*Marcel Franco Araújo Farah é integrante do Coletivo Nacional da Rede de Educação Cidadã